terça-feira, 27 de maio de 2014

Professores que mudaram a minha vida - Parte I

Eu e Hilda em Londrina


No post anterior, escrevi sobre o livro O professor, de Cristovão Tezza, sobre o professor de Filologia Românica Heliseu. Isso me me fez lembrar de alguns professores muito especiais para mim, por isso, a partir de hoje, publicarei uma série de três textos dedicados a alguns desses mestres que mudaram não só a minha percepção da língua portuguesa e das literaturas de língua portuguesa, mas também, e sobretudo, a minha vida. Começo pela professora Hilda Orquídea Hartmann Lontra. 
Hilda chegou à minha vida para me ensinar que ensinar é paixão. Em meio a toda aquela formalidade e burocracia do ambiente universitário, no qual eu andava totalmente à deriva, à procura de um caminho, apareceu essa mulher com nome de flor, a falar de literatura de uma maneira tão intensa, inteira, verdadeira e, ao mesmo tempo, terna, amorosa, maternal, que transbordava. 
Professora de literatura portuguesa, deixou em mim essa herança para uma vida toda: o amor pelas florbelas, cesáreos, garretts. Foi ela quem me apresentou um Fernando Pessoa que ia além das frases das camisetas. Lembro-me, como se fosse hoje, de uma aula em que ela segurava fortemente a fechadura de uma porta, comentando a rigidez do metal, com a voz alta e até um pouco alterada, para nos mostrar a concretude do real descrito em um poema, se não me engano do heterônimo Álvaro de Campos. 
Meu autor favorito, José Saramago, foi-me trazido por ela também. Na época, o livro O ano de 1993 (sobre o qual você pode se informar aqui) não tinha sido editado no Brasil, mas ela imprimia, em sua própria impressora (atitude de professor dedicado), uma cópia para cada um de nós e, naquelas folhas avulsas, destrinchávamos cada verso, cada capítulo, anotávamos em todos os espaços em branco. Era um estudo tão intenso, detalhado e incansável que aprendíamos a essência do autor, sua ideologia, para não a esquecer jamais. Pelo contrário; queríamos mais, contagiados pelo aprender.  
Certa vez, fizemos uma viagem a Londrina, para um simpósio sobre literatura portuguesa. Durante um dos intervalos, andávamos pelo campus da universidade, acompanhados de nossa mestra. Não me lembro por que, ela começou a cantarolar a Valsinha, de Chico Buarque (relembre essa música aqui). Começou baixinho e foi aumentando o tom de voz, a euforia, o balanço do corpo, até iniciar uma dança. De repente, todos nós a acompanhávamos, caminhando, cantando e bailando pelos caminhos sinuosos, cercados de flores. Foi tanta felicidade que tudo se iluminou. Um momento memorável. E ela, que já se queixava de não ter mais a pele tão lisa, de os movimentos já não serem tão ágeis, era, na verdade, a mais jovem e a mais bonita de todos, a contagiar com vida e alegria o mundo ao nosso redor.
Essa energia contagiante era tudo de que eu precisava naquele momento da minha história. Sua paixão pela vida era o balde de água fria (no bom sentido) que me acordou, me situou no curso de Letras, me fez confiar mais em mim mesma (ela confiava plenamente naquela jovem tímida de cabelos vermelhos) e ter a certeza de que aquele era o caminho. 
Hilda sempre escrevia nas minhas tarefas, com uma caligrafia impecável que consigo enxergar diante dos meus olhos como se fosse hoje, que eu era muito "avarenta ao expressar minhas ideias". Ela sempre queria que eu desenvolvesse mais, me doasse mais. Hoje, ao escrever este texto, eu mesma tenho de me punir pela minha avareza, afinal, por mais que eu me esforce, é impossível esgotar em palavras o que essa professora representa para mim.
Recentemente, tive a felicidade de reencontrá-la pelas redes sociais (na verdade, ela me resgatou). Este ano Hilda completa 50 anos de magistério, data que comemorou em uma Aula Áurea na Universidade de Brasília, reunindo seus ex-alunos e para-sempre-amigos. Como não pude comparecer, presto aqui a minha homenagem a essa mulher exemplar, fenomenal, que continua reinventando a sua paixão pelo magistério, pela literatura, pela vida. Obrigada por tudo, mestra e amiga!

E você, tem ou teve algum professor assim especial? Deixe seu comentário.

8 comentários:

  1. Que lindo Mel!!! Tem que mandar pra ela ler :)

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  2. Muito lindo Amélia! Com certeza ela vai gostar de ler seu texto. Afinal, que Mestra não gostaria de ser lembrada assim por um aluno. Alessandra

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    1. Ela é demais, Alessandra!! É tudo isso que escrevi e muito mais…

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  3. Menina! Agora que vi você na foto. Muito linda você.

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  4. Linda sua homenagem à sua inesquecível professora! Receba o meu carinho também, pela mestre especial que é você!

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    1. Obrigada, querida Ana Lúcia!! Você é exemplo de pessoa que todo professor quer ter por perto: está sempre buscando novos conhecimentos, sempre com vontade de aprender. E nesse sentido você é minha mestra também!

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