sábado, 24 de janeiro de 2015

Mãos dadas



Nos primeiros minutos da oração da noite de Natal, todos reunidos, colocados em círculo, de mãos dadas, percebo-me em uma situação especial. Olhos fechados, suspiros profundos, palavras sagradas a fugir automaticamente dos nossos lábios, me dou conta de que minhas mãos seguram, à direita, a mão da minha filha menor e, à esquerda, a mão da minha mãe. 
A mãozinha fina e delicada não compreende ainda muito bem o significado daquele momento, mas sente e está totalmente entregue, tal é a firmeza com que segura a minha mão. A mão grossa e trêmula da minha mãe, cansada, fraca, mas confiante e segura de sua função de matriarca, da força de suas orações, pronuncia agradecimentos pelos presentes e pede bênçãos pelos ausentes.
Somos agora a santa trindade temporal: os dedinhos pequenos, macios como algodão, com tão pouca vida, mas cheios de vitalidade, a carregar nas veias estreitas o peso da história por conhecer; meus dedos finos e compridos, um pouco ressecados, mas maduros, a compor ainda a sua biografia; e os dedos gordos, hesitantes e maduros dessa mãe, dessa avó que leva nas veias grossas e escuras o livro de toda a nossa vida. 
Essas texturas representam o meu passado – a mão que me segurou assim que eu nasci, me deu banho, costurou meus vestidos de criança, me estendeu o primeiro livro, deu palmada quando necessário, apontou o dedo grave do conselho; o meu presente – a dádiva da possibilidade desse encontro entre a que me gerou e a que eu dei à luz; e o meu futuro – a expectativa de ensinar aos filhos da filha aquilo que minha mãe me ensinou.
Naqueles minutos sagrados, enquanto todos pronunciavam o cântico milenar, uma emoção enorme toma conta do meu ser. Consciente da minha posição central nessa tríade, uma corrente vital passa por mim. Sou, neste momento, o  ponto de convergência dessas energias distintas, tão diferentes, mas ligadas por um laço indestrutível. Sou o elo entre o passado e o futuro. Sou o centro do universo. 
Amém.