Passei muitas vezes em frente a essa casa abandonada no centro histórico de Assunção, no Paraguai. A construção bastante deteriorada me chamava a atenção devido a um fato inusitado: na sua lateral, nasce uma árvore. Das entranhas das paredes trincadas, descascadas, maltratadas pelo tempo, brota o tronco, vivo, vivíssimo, já adulto, que vai subindo parede afora, até o topo, onde a copa aflora sobre o telhado, dando um show de deslumbre e demonstração de força da natureza.
Tentei por tudo neste mundo fotografar essa parede-árvore, árvore-parede. De perto, de longe, do outro lado da rua, na ponta dos pés, quase deitada na calçada... Celular, câmera velha, câmera nova... Nada! Nenhuma foto faz jus ao que se vê quando se passa.
Um dia me dei conta de que, aficcionada pela árvore, nunca tinha tido a curiosidade de olhar o outro lado, aquilo que estava escondido depois da curva da esquina, na verdade a fachada principal da casa.
A primeira reação foi o susto, tamanha a beleza da construção! Chega até mesmo a ser difícil olhar. É preciso afastar-se, ir ao outro lado da rua para obter uma visão geral. Então se vê. O número é o 592, impresso duas vezes na porta e, para não restar dúvida, uma vez mais na parede. A cor, meio amarelada - nem amarelo nem mostarda nem creme - transmite uma sensação de paz e tranquilidade, um pouco prejudicada por algumas pichações sem sentido. A forma retangular revela uma estrutura simétrica: ao centro, a porta altíssima, imponente, de madeira, coroada por uma estrutura oval de ferro que deixa entrever a escuridão lá dentro; duas janelas médias de cada lado, com suas respectivas varandinhas, provavelmente apenas estéticas, pois muito estreitas. Na calçada à frente, entre a porta e a primeira janela à esquerda, magnânimo e elegante, um ipê, conhecido na região como lapacho. O tronco, que se bifurca bem embaixo, divide-se em dois um pouco mais finos, os quais vão subindo levemente na diagonal, para só depois, bem em cima, abrir-se em galhos ainda mais delgados, agora com folhas rareadas pelo inverno, mas no auge de sua floração cor-de-rosa.
Bem no canto à esquerda, como parte da própria casa, mais ou menos na altura das janelas, uma floreira! Um vaso de flor de cimento, um pouco escurecido pela umidade, ali inserido, cuidadosamente. Não sei como alguém poderia alcançá-lo para dispor ali alguma planta, mas o maravilhoso ipê, consciente dessa quase impossibilidade, trata, com a ajuda do vento, de fazer passear por perto suas flores rosadas, lembrando essa antiga peça da sua utilidade original.
Um outro pormenor, porém, apenas me foi possível com a ajuda do zoom da minha câmera fotográfica. Esse instrumento poderoso me permitiu reparar no detalhe para mim mais precioso da casa número 592. No topo, no alto mais alto da casa, bem no meio de uma espécie de armação arredondada, encontra-se, pequenina, uma delicada e simpática conchinha do mar. Parece banal, mas a beleza e a falta de entendimento quase me levam a perder o ar. Como pôde alguém, ao projetar ou construir essa casa, ter o cuidado de colocar um enfeite tão pequeno ali, tão distante do olhar dos transeuntes?
Tendo como cenário o azul claro e translúcido do céu de inverno, as folhas daquela mágica árvore, suas florezinhas rosadas e os cabos de eletricidade que desajeitadamente passam por ali, lá está ela, levemente carcomida pelo tempo, talvez pelo movimento de pássaros, escurecida pelo mofo nas curvas menos expostas ao sol, mas com seu estilo e delicadeza preservados, quase um brinquedo de menina, um talismã, um enfeite para colocar no cabelo. E por que justo uma concha, símbolo da fertilidade feminina, da fecundidade, lembrança de mares e oceanos? O significado de prosperidade talvez me faça mais sentido, dada a localização outrora nobre. Imagino que milhares de pessoas passaram por este lugar inúmeras vezes, durante anos, séculos até, e nunca repararam…
Sábio José Saramago, que, em seu livro Ensaio sobre a Cegueira, afirmou: "Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara." Não basta olhar… é preciso ver com mais atenção. Não basta ver… é imprescindível reparar! Não fosse o meu olhar atento, e nesse caso incentivado pelo fotográfico, esse detalhe teria passado despercebido, e eu não teria tido o prazer de apreciar essa fazedora de pérolas, escondida no alto de uma linda casa antiga abandonada em uma rua do centro de Assunção.
P.S. Foi justamente esta foto, a da pequena conchinha (exposta no topo desta página), a que escolhi para me representar na exposição final do meu Curso Básico de Fotografia no Instituto de la Imagen, cujo tema foi "Imágenes de Asunción". Talvez ela não seja tão óbvia, pois não representa uma cena facilmente reconhecível como asuncena. Não é o rio. Não é a rua. Não é o homem. Não é o tererê. Não é o ñaduti. Mas representa o meu olhar sobre a cidade. Para mim, é necessário praticamente afastar com as mãos os cabos de energia em excesso (e a poeira, e a poluição, e a sujeira, o trânsito caótico e agressivo, a falta de manutenção e organização, os serviços muitas vezes precários e imperfeitos), pedindo-lhes licença, para ver as flores dos lapachos, o céu azulíssimo do verão, o nascer e o pôr do sol laranja-avermelhados, as casas e edifícios antigos, a arborização intensa superverde, as pequenas flores que brotam acidentalmente na calçada, algum trabalho quase artístico escondido nos muros envelhecidos, o sorriso do menino no sinal de trânsito, a poesia da cidade enfim.... Para aquele que passa e olha sem reparar (na maioria das vezes nem olha), as conchinhas delicadamente dispostas no alto dos edifícios simplesmente não existem... E nesse passar apressado, nublado, muitas vezes cego, a vida perde em beleza, em suspiros, em sentido.