terça-feira, 12 de abril de 2016

A crise roubou a poesia





Ninguém tem dúvida de que a atual crise política brasileira nos tirou alguns elementos essenciais, como o bom senso, a educação, a capacidade de raciocínio e de diálogo, o direito à opinião, a mudar de opinião, entre outros. Ter uma posição política divergente da do outro, nos dias de hoje, é cometer um crime hediondo, correndo o risco de, com um só clique, ser bloqueado raivosamente da vida do outro, para nunca mais.
Mas qual não foi a minha surpresa quando me dei conta de que a crise roubou também a poesia. Sim!! A poesia! De maneira sorrateira, mas nem por isso menos violenta, acabou com ela, deu fim, empurrou-a para um buraco negro do qual não sei quando poderá voltar.
Tenho o hábito de diariamente visitar sites, blogs e páginas de literatura, mais precisamente de poesia. É algo que me faz bem, me completa, adiciona vida, beleza,  emoção e – por que não? – conhecimento ao meu dia a dia. Como é bom abrir o Facebook e, além de notícias dos amigos distantes, fotos da família, alguma piada de futebol e notícias do Brasil, encontrar os versos dos meus poetas favoritos, um poema novo de escritores consagrados ou dos novos, análises teóricas ou mais emocionadas daquele poema famoso, além de novidades do mundo cultural e literário!
Nos últimos meses, porém, essa minha diversão favorita  passou a ser frequentemente interrompida por uma enxurrada raivosa e dilacerante de mensagens de teor político-partidário. Vários poetas, escritores e administradores de páginas sobre o universo literário começaram não só a postar suas opiniões políticas e a defender com unhas e dentes seus salvadores da pátria, como também encheram seus espaços virtuais de xingamentos, ironias e desaforos.
Uma das minhas páginas favoritas era de uma artista que consegue (quase escrevi o verbo no passado, mas vou deixar no presente porque ainda tenho esperança) como ninguém aproximar a poesia das pessoas. Na sua voz, os textos ganham vida, se tornam tão mais interessantes... Pois ela parou de fazer o que faz de melhor, dar vida à poesia, e, nos últimos meses, limita-se a comentar sobre política. Outro escritor que aprecio recomendou as páginas de três poetas, afirmando que era uma delícia acompanhar seus posts, repletos de poemas e mineirices. Fui verificar: uma não tinha atualizações há meses e nas outras duas não encontrei poesia; somente impaciência, ideia fixa e intolerância em relação a quem tem posição política contrária à dela. Claro que não curti: a página nem a postura.
E veja bem: não é que postem poesias que tratem da situação político-econômica do Brasil. Não! Isso é coisa muito diferente e seria positivo, necessário até, afinal a arte e a literatura sempre foram um meio de reflexão e crítica sobre a realidade em que vivemos. O problema é que deixaram de postar poesia!  Preferem explorar a temática urnas eletrônicas, apartamentos e cozinhas de luxo, supremos tribunais federais, números de manifestantes nas ruas, mortadela, tubaína, camisas da seleção, presidentes, juízes e ex-presidentes, ministros, bandidos e população, filhos da puta, coxinhas e petralhas. Foi nisso que algumas das minhas páginas favoritas se transformaram! Num emaranhado de xingamentos e obsessões políticas de baixo nível.
O poeta apressado vestiu a camisa vermelha do PT ou a verde-amarela do resto do mundo, não importa, saiu correndo desembestado empunhando sua bandeira rota e desbotada, atirando paus e palavrões dos mais xulos pra todo lado e, com seu dedo em riste, cheio de ira e molhado de cuspe, posicionou-se do seu lado do muro da verdade, apontando, com seu olhar julgador, para o grupo oposto e proferindo palavras de ódio e desprezo.
Só não percebeu um detalhe, o coitado... É que deixou caído, esquecido, bem lá atrás, em meio à poeira e às pisadas arrogantes da manada, o seu caderno de poesia. Aquele... de capa bem velhinha e amassada, com folhas amareladas, que ele carregava sempre consigo, cheio de rabiscos e rascunhos, para que nunca deixasse escapulir o verso que subitamente brotasse em sua mente enquanto passeava tranquilamente por entre as rosas vermelhas do jardim...
Que pena! O poeta esqueceu a poesia. Deixou pra trás o verso, a rima, a metáfora. Não importa a sua ideologia, preferiu a realidade dura, nua, crua e hipócrita, o palavrão, a ofensa, o verbo rasgado e cheio de ira.
O poeta deixou que a crise roubasse seu bem de maior valor: a capacidade de ver o mundo, mesmo que o mundo nefasto da política brasileira, através da lente fantasiosa, terna e muito mais agradável da poesia.