Ninguém tem dúvida de que a atual crise política brasileira nos tirou
alguns elementos essenciais, como o bom senso, a educação, a capacidade de
raciocínio e de diálogo, o direito à opinião, a mudar de opinião,
entre outros. Ter uma posição política divergente da do outro, nos dias de
hoje, é cometer um crime hediondo, correndo o risco de, com um só clique, ser
bloqueado raivosamente da vida do outro, para nunca mais.
Mas qual não foi a minha surpresa quando me dei conta de que a crise
roubou também a poesia. Sim!! A poesia! De maneira sorrateira, mas nem por isso
menos violenta, acabou com ela, deu fim, empurrou-a para um buraco negro do
qual não sei quando poderá voltar.
Tenho o hábito de diariamente visitar sites, blogs e páginas de literatura,
mais precisamente de poesia. É algo que me
faz bem, me completa, adiciona vida, beleza,
emoção e – por que não? – conhecimento ao meu dia a dia. Como é bom
abrir o Facebook e, além de notícias dos amigos distantes, fotos da família,
alguma piada de futebol e notícias do Brasil, encontrar os versos dos meus
poetas favoritos, um poema novo de escritores consagrados ou dos novos, análises teóricas
ou mais emocionadas daquele poema famoso, além de novidades do mundo cultural e
literário!
Nos últimos meses, porém, essa minha diversão favorita passou
a ser frequentemente interrompida por uma enxurrada raivosa e dilacerante de
mensagens de teor político-partidário. Vários poetas, escritores e
administradores de páginas sobre o universo literário começaram não só a postar
suas opiniões políticas e a defender com unhas e dentes seus salvadores da
pátria, como também encheram seus espaços virtuais de xingamentos, ironias e
desaforos.
Uma das minhas páginas favoritas era de uma artista que consegue
(quase escrevi o verbo no passado, mas vou deixar no presente porque ainda
tenho esperança) como ninguém aproximar a poesia das pessoas. Na sua voz, os
textos ganham vida, se tornam tão mais interessantes... Pois ela parou de fazer
o que faz de melhor, dar vida à poesia, e, nos últimos meses, limita-se a
comentar sobre política. Outro escritor que aprecio recomendou as páginas de três
poetas, afirmando que era uma delícia acompanhar seus posts, repletos de poemas
e mineirices. Fui verificar: uma não tinha atualizações há meses e nas outras
duas não encontrei poesia; somente impaciência, ideia fixa e intolerância em relação a quem
tem posição política contrária à dela. Claro que não curti: a página nem a postura.
E veja bem: não é que postem poesias que tratem da situação
político-econômica do Brasil. Não! Isso é coisa muito diferente e seria positivo,
necessário até, afinal a arte e a literatura sempre foram um meio de reflexão e
crítica sobre a realidade em que vivemos. O problema é que deixaram de postar
poesia! Preferem explorar a temática
urnas eletrônicas, apartamentos e cozinhas de luxo, supremos tribunais
federais, números de manifestantes nas ruas, mortadela, tubaína, camisas da
seleção, presidentes, juízes e ex-presidentes, ministros, bandidos e população,
filhos da puta, coxinhas e petralhas. Foi nisso que algumas das minhas páginas favoritas se transformaram!
Num emaranhado de xingamentos e obsessões políticas de baixo nível.
O poeta apressado vestiu a camisa vermelha do PT ou a verde-amarela
do resto do mundo, não importa, saiu correndo desembestado empunhando sua
bandeira rota e desbotada, atirando paus e palavrões dos mais xulos pra todo
lado e, com seu dedo em riste, cheio de ira e molhado de cuspe, posicionou-se
do seu lado do muro da verdade, apontando, com seu olhar julgador, para o grupo
oposto e proferindo palavras de ódio e desprezo.
Só não percebeu um detalhe, o coitado... É que deixou caído,
esquecido, bem lá atrás, em meio à poeira e às pisadas arrogantes da manada, o
seu caderno de poesia. Aquele... de capa bem velhinha e amassada, com folhas
amareladas, que ele carregava sempre consigo, cheio de rabiscos e rascunhos,
para que nunca deixasse escapulir o verso que subitamente brotasse em sua mente
enquanto passeava tranquilamente por entre as rosas vermelhas do jardim...
Que pena! O poeta esqueceu a poesia. Deixou pra trás o verso, a
rima, a metáfora. Não importa a sua ideologia, preferiu a realidade dura, nua,
crua e hipócrita, o palavrão, a ofensa, o verbo rasgado e cheio de ira.
O poeta deixou que a crise roubasse seu bem de maior valor: a
capacidade de ver o mundo, mesmo que o mundo nefasto da política brasileira, através da lente fantasiosa, terna e muito mais agradável da poesia.