A primeira paixão da minha vida não foi a boneca recebida de presente de Natal. Não foi o personagem da história infantil favorita. Não foi o menino bonito da escola elementar. Nada disso. Foi meu irmão Mauro.
Minha mãe conta que, no dia em que eu nasci, ele, com onze anos, foi me visitar no hospital. Era proibido visita de criança naquela época, mas ele entrou escondido, levando uma flor roubada do jardim do vizinho, e conseguiu ver a irmãzinha temporona, depois de uma leva de cinco rapazes.
Quando criança, ele era meu ídolo! Era a alegria da casa, sempre bem disposto, de bem com a vida. Ficava impressionada quando andava com ele pelas ruas, pois ele cumprimentava pessoas desconhecidas, com um bom dia e um sorriso no rosto, na maior naturalidade. Eu achava aquilo o máximo!
Sempre foi um irmão muito carinhoso. Me tratava como uma princesa. Dizia que, em alguns anos, eu iria pousar para a Playboy. Ele seria meu agente e ficaríamos ricos. Vê se pode?!
Na transição entre a infância e a adolescência, enquanto os demais irmãos já tinham partido da casa dos meus pais para estudar, trabalhar ou se casar, o Mauro continuava a morar conosco. Se eu precisasse de companhia para ir a uma festa, ele ia comigo. Se eu precisasse comprar um livro da escola num lugar distante, ele me levava. Na minha formatura do ensino médio, ele foi meu par.
Foi ele quem me levou ao primeiro show de música da minha vida: da Blitz ("Você não soube me amar…"). Certa vez, participou de um festival de música na escola onde estudava e cantou “Há dois passos do paraíso”, maior sucesso desse grupo na época. Ele ficou em segundo lugar, mas acho que gostei mais da performance dele – meu ídolo - do que do Evandro Mesquita. Anos mais tarde, me levou no show do Michael Jackson, em São Paulo. Esses episódios foram inesquecíveis, mas hoje percebo que o mais importante era que, ao comprar os ingressos, ele sempre se lembrava de mim.
Tinha orgulho de apresentá-lo às minha amigas. Elas o achavam lindo e muito legal! Mas eu não gostava que ficassem muito chegadas, pois eu morria de ciúmes dele. Quando chovia forte e ele estava em casa na hora do almoço, ia me buscar na escola vestido com uma capa de chuva amarelo ovo que trouxe de uma viagem. Quando começavam as primeiras gotas, minhas amigas comentavam, já em tom de gozação: “Tá chovendo. Será que o Mauro vem te buscar com aquela capa hoje?” E vinha. Olhávamos para o lado do estacionamento e avistávamos ao longe uma mancha amarela, correndo na nossa direção, até nos alcançar, me estender um guarda-chuva e me levar em direção ao carro. Atrás, eu só ouvia o som alto das risadas das minha amigas. Eu morria de vergonha, queria cavar um buraco no chão e me esconder, mas no fundo gostava de ter um irmão tão divertido e legal.
Não conseguia imaginar minha vida sem ele. Até que um dia ele decidiu se mudar para os Estados Unidos. Iria passar um tempo lá. Não compreendi muito o significado daquilo até quase o momento da partida. Naquele dia, acordei com um nó na garganta. Mal olhava nos olhos dele, que me procuravam, animados, mas com um ar de melancolia. Fugi o dia todo, observando às escondidas a confusão de malas e preparativos para a viagem.
Quando foi chegando o momento de ele ir para o aeroporto, me tranquei no quarto e fingi que estava dormindo. Imagina... eu nunca dormia cedo, mas apaguei a luz, me embrulhei no cobertor e fiquei imóvel, quase sem respirar, para evitar a despedida. De repente percebi que a porta se abria. Era ele, que olhou, esperou por alguns minutos, até chamou pelo meu nome, mas, como eu fingia que não acordava, acabou indo embora. A porta se fechou, aguentei mais alguns instantes e, depois de ouvir o carro se distanciando, caí num chovo convulsivo, desesperado, descontrolado. Por sorte todos estavam envolvidos com sua partida e não perceberam. Mas posso dizer que foi uma das dores mais fortes que senti na vida.
Um vazio enorme se formou na nossa casa e nas nossas vidas. Só nos falávamos de vez em quando pelo telefone, o que não amenizava nem um pouco a saudade imensa. Diz ele que, quando a saudade apertava do lado de lá, chegava à janela e cantava bem alto, para todos ouvirem, as músicas de Milionário e José Rico.
Depois de três anos que pareceram o infinito, chegou o dia do seu retorno. Que emoção! Lembro bem da espera no saguão do aeroporto. Quanta ansiedade! Finalmente! Acho que era próximo do Natal, e o meu maior presente com certeza seria ter meu irmão amado de volta.
Foi uma festa! Churrasco, cerveja, cantoria. Na mala, ele trazia muitas novidades: roupas, produtos, CDs que sequer existiam no Brasil. E muitas histórias para contar.
Claro que, depois de tanto tempo fora, tentando a vida de diversas maneiras, vivendo uma cultura totalmente diferente, ele voltou mudado também. Parecia mais maduro, mais duro com a vida e um pouco desconfiado em relação a tudo e a todos. Até o cheiro dele era outro.
Eu tampouco era uma criança. Tinha crescido, me tornado uma moça. Ele era muito, muito ciumento. Não era nem um pouco simpático com meus pretendentes. Quando tive meu primeiro namorado, ele não aceitava, ficava de cara feia para mim e era mal educado com o rapaz.
Logo o tal carinha terminou comigo sem dó nem piedade e foi logo tratando de arranjar outra. Foi o meu segundo maior sofrimento da vida. Um dia, cheguei da escola chorando, tristíssima, porque o vi com a menina no ponto de ônibus. Quando eu disse o porquê das melosas lágrimas, todos ficaram com pena, dizendo que iria passar. Meu irmão Mauro falou: "Eu avisei!" E chorou junto comigo.
O tempo passou. Tive de me acostumar com o fato de que ele partiria algumas outras vezes. Casou-se com uma bela mulher – "a mais bonita da Bolívia", nas palavras dele. Teve dois filhos “hermosos”, como ele gosta de dizer. Formou uma linda família.
Em outros aspectos da vida, levantou-se e caiu algumas vezes. Parece que o destino lhe prega algumas rasteiras de vez em quando. Mas está sempre disposto a recomeçar. É corajoso aos extremos. Meu marido costuma dizer que ele é empreendedor!
Agora, no auge da maturidade, quando a vida exige que o homem vá desacelerando, que fique mais quieto, em segurança e conforto, ele se atirou em mais uma aventura. Sozinho, sem a família, decidiu passar um tempo distante novamente, à procura de uma vida melhor. A história se repete, só que dessa vez de surpresa, sem que esperássemos, sem nenhuma chance mesmo de nos despedirmos. Não foi preciso que eu me escondesse debaixo do cobertor. Quando soubemos, já estava lá. Não quis nos preocupar.
Outro dia, postou uma imagem da sua mesa de cabeceira: de um lado, nosso pai e nossa mãe, abraçados, ambos sorrindo, numa noite feliz de Natal; de outro, uma linda foto em família, com a esposa e os filhos, em algum momento especial.
Meu irmão, esse pequeno altar que você criou na sua mesa de cabeceira tem muito significado. Nossos pais foram aqueles que te deram o bem maior - a vida, a quem você deve ser sempre grato. Eles representam todos aqueles que vieram antes deles, os nossos antepassados, a quem também devemos agradecer e venerar.
Veja como nossos pais estão satisfeitos nessa foto, com um sorriso espontâneo, aberto e verdadeiro nos lábios. Eles estão felizes, dentre outros motivos, porque você existe, é um filho maravilhoso e amoroso, tem a coragem que seus antepassados tiveram de tentar uma vida nova, em um lugar distante. Eles e os pais deles e os avós deles reconhecem seu amor, Mauro, agradecem e te libertam para seguir o seu caminho.
Sua família mais próxima – esposa e filhos – é o outro pilar. Mesmo longe agora, estão ao seu lado. Caminham junto com você. Oram pela sua segurança e sucesso. Por eles você deve prosseguir em busca dos seus sonhos.
Imagine-se numa estrada: você ao centro; um pouco atrás nossos pais; ao lado sua mulher e seus filhos; à frente aquilo que você quer e precisa conquistar, sejam objetivos financeiros ou afetivos. Levando isso em consideração, vá em frente, ao encontro de conquistas, sucesso, prosperidade.
Um dia, quando você já estava aí, tive uma visão. Sério mesmo. Uma intuição muito forte. Via você vencedor. Dono do seu próprio negócio. Um homem de sucesso. Sua família feliz ao redor. E nossos pais, ao longe, te olhando, com sorrisos nos rostos, orgulhosos. Assim como nós, seus irmãos. Acredite! Você é capaz!
Saiba que te admiramos muito.
Você será para sempre meu ídolo!
Feliz aniversário!