domingo, 9 de maio de 2021

Colares, contas e corais

 



Minha mãe sempre gostou de usar colar. Geralmente aqueles de bolas grandes e coloridas, combinando com os brincos. Quando pensamos em comprar um presente pra ela, a primeira coisa que nos vem à mente é, sem dúvida, um colar. Tentamos dar a volta a esse impulso, afinal é preciso ter uma certa criatividade para presentear, mas, no final, acabamos caindo na tentação da certeza de agradar e compramos um colar. Justamente por isso, ela tem muitos. Abre-se a porta do guarda-roupa e veem-se, pendurados como terços no altar da igreja, os mais variados tipos: prateados, dourados, coloridos, de couro, de plástico e, claro, pérolas, muitas pérolas...

Quando mais jovem, ela não saía de casa sem o adereço, nem que fosse para ir à venda da esquina. Não se rendia às havaianas, dava sempre um jeitinho no cabelo e tascava colar e brinco, sempre arrumadinha. Tanto que, ela mesma me contou, foi acusada pelas más línguas da vizinhança de que queria se exibir para os homens da rua. Claro que não. Era só cuidado mesmo ou, palavrinha comum atualmente - autocuidado. E lá ia ela, de sacolas plásticas repletas de economias e de contas coloridas no pescoço.

Lembro-me em especial de um de bolas de vidro de vários tamanhos, predominando o cor de rosa clarinho, alternadas por bolinhas douradas. O fecho era lindo, daqueles de encaixar, cravejado de pedrinhas imitando diamante, e eu abria, fechava, abria, fechava, encantada com o clique delicado que ouvia. Como ela ficava linda quando o usava! E eu vira e mexe estava com ele nas mãos, olhando, admirando, imaginando, com muito cuidado para não quebrar. 

Já eu nunca fui de usar colar. Na adolescência, quando eu ia sair, minha mãe me olhava, observava o look dos pés à cabeça, hesitava um pouco, mas não resistia e, com um sorriso irônico nos lábios, dizia: “Nem um colarzinho?!” Eu negava terminantemente e ela ficava bem decepcionada, querendo ver em mim um pouco daquele brilho especial que coloria e alegrava o seu dia.

Em homenagem à minha mãe, nos últimos tempos (o que significa depois de muito tempo), resolvi comprar uns colares, decidida a usá-los no meu dia a dia. Então, numa viagem, comprei uma gargantilha de corais sicilianos, que são como umas pedrinhas irregulares, em tom meio alaranjado, e resolvi usar já no mesmo dia. Escolhi um vestido neutro, para dar destaque ao colorido do colar. Passei um batom na mesma tonalidade, coral, e, ao olhar-me no espelho, me senti bonita. Tirei uma selfie, mandei para a minha mãe e saí pra jantar feliz da vida. Não tenho dúvidas de que era por causa do colar.

Quando cheguei em casa, li o comentário materno: “É bem delicado!” Entendi perfeitamente o significado: era demasiadamente delicado para ela. Claro, para agradar, eu deveria ter escolhido um de bolas grandes...

Um dia, procurando na internet, vi um colar de bolas. Eram feitas de argila, confeccionadas artesanalmente. Não muito grandes e não tão coloridas. Os tons eram acinzentados, mais claros, mais escuros, com duas unidades em preto, uma só em branco e apenas uma bolinha menor dourada, que para mim dava um toque especial à composição. O cordão era de couro branco, bem delicado, e, delimitando o conjunto de sete ou oito bolas, havia duas continhas também douradas. Amei aquele colar. Era a minha versão mais discreta daquele de vidro cor de rosa da minha mãe, que eu tanto admirava.

Ficou guardado durante muitos meses no armário, até que um dia acordei sem muita inspiração para me vestir. Abri todas as portas do meu armário, olhei, pensei. Sabe aqueles dias em que só queremos renovar todo o nosso guarda-roupa? Me deu um desânimo mesmo. E acabei optando por uma camiseta branca, básica, e uma calça preta. Sapatilhas pretas. Look mais sem graça não havia. Mesmo assim, ainda troquei de blusa duas vezes, por outras duas brancas. E básicas. Continuava insatisfeita, achando que o dia estava perdido. Pouco antes de sair, ao fechar as portas do armário, vi a pequena caixinha preta num canto da prateleira, estrategicamente disposta mais à frente, para não ser esquecida. Era o meu colar adormecido, pronto para despertar. Tirei-o da caixa, desenrolei-o cuidadosamente e dispus sobre a blusa branca, dando o charme que eu queria ao visual.

Combinou perfeitamente, equilibrando o preto e branco com os tons cinzentos, com destaque para a continha dourada que praticamente somente eu via. Me senti toda paramentada, um pouco over. Mas por que não me dar a chance de me enfeitar um pouco mais, homenagear a minha mãe e, afinal, também despertar.

Saí do quarto um pouco desconfiada. Não gosto de chamar a atenção. Envolvidos na correria matinal, ninguém reparou. O marido, atento ao mínimo detalhe, não percebeu. A filha caçula, sempre a primeira a observar a cor do esmalte, a blusa nova, o corte de cabelo, não viu. A mais velha, crítica ao extremo, não falou nada. É... minha mãe teria razão ao comentar: “Nem uma corzinha, minha filha?!” Talvez fosse discreto demais.

Mesmo assim, meu dia se tornou melhor. Comprovei o que minha mãe, sem dizer, sempre quis me ensinar: que um simples colar muda a nossa disposição, nos faz sentir especiais e mais bonitas, nos dá alegria e confiança. É mágico.

Envolvida pelo trabalho, nem me lembrei mais da arma poética que estava no meu pescoço, mas a energia que exalava daquelas bolas transformava a vida, dando a ela um toque de encantamento discreto, quase secreto.





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