terça-feira, 20 de maio de 2014

O professor




Hoje, uma dica de leitura: O professoro mais recente livro do escritor brasileiro Cristovão Tezza, publicado pela editora Record em 2014. Eu, que fui professora durante sete anos (levei-tão-a-sério-que-pesou-demais-e-desisti), vi-me logo envolvida pela história de Heliseu, professor de Filologia Românica que, aos 70 anos, vê-se obrigado a retirar-se da vida acadêmica (devido à aposentadoria compulsória) e está prestes a receber uma homenagem pelos serviços prestados à universidade.
As 237 páginas do livro concentram-se em algumas horas da vida desse professor aposentado. A narrativa se passa nos primeiros momentos da manhã, quando o personagem tenta escrever, ou pelo menos programar mentalmente, um discurso de agradecimento a ser dito durante a homenagem que receberá. Essa, porém, não é uma tarefa fácil, pois vários pensamentos e memórias vêm desviá-lo desse propósito inicial, desencadeando-se uma sequência de ideias e reflexões que giram em torno de alguns tópicos recorrentes: a vida universitária e o contato com os colegas de trabalho, a memória afetiva da mãe e resquícios de afeto do pai, a relação com a esposa, Mônica, e sua morte trágica, a difícil relação com o filho e com sua homossexualidade, a paixão pela amante, Therèze, doutoranda, e a própria velhice, constantemente evidenciada a partir da descrição do próprio corpo envelhecido e da lentidão nas ações quotidianas. Tudo isso é permeado por algumas citações em português arcaico (seu objeto de trabalho), totalmente integradas à narrativa e ao contexto da história recente do Brasil.
O fluxo de consciência vai se desenvolvendo de maneira coloquial, ambígua e irônica, nos dando a conhecer esse personagem que, na tentativa de definir alguns pontos a serem proferidos no discurso, na verdade está à procura de algo muito mais complexo: o sentido da vida. Ele próprio afirma: “é preciso organizar a memória ou jamais descobrirei o sentido da minha vida. O segredo está em algum momento que ficou para trás…”.
Trata-se de um romance tipicamente contemporâneo da melhor qualidade. A oralidade, o fluxo de consciência (em oposição à ordem cronológica), a ironia, a ambiguidade, a fusão entre o passado e o presente são características desse momento literário, e Cristovão Tezza as explora de maneira exemplar. Durante a leitura, o leitor comum tem a impressão de que foi muito fácil registrar aquele emaranhado de ideias, lembranças e sentimentos (parece que foram jogadas na página, sem qualquer cuidado), mas o leitor atento percebe que houve ali um trabalho incansável de escrita, reescrita e lapidação que transformou essa narrativa  caótica no complexo mundo interior de Heliseu. É preciso que o leitor perceba isso, tenha paciência para entender o ritmo de escrita, para não cair na tentação de abandonar a leitura no primeiro tropeço (dica que vale para a literatura contemporânea em geral). 
Cristovão Tezza tem uma obra bastante consistente, firmada como o que há de melhor na literatura brasileira atual, e O professor é mais uma prova disso. Para quem ainda não leu esse autor, O filho eterno é um bom começo. Não há quem não se emocione com esse relato autobiográfico sobre as dificuldades de um pai para relacionar-se com o filho portador da Síndrome de Down. 

Boas leituras!




Obras de Cristovão Tezza

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