Ontem fui ver o Papa Francisco no Central Park, em Nova York.
O que eu vi?
Vi uma multidão a andar a passos lentos, muito lentos, durante mais
de três horas, em uma fila infinita que se movia em zigue-zague, debaixo de
sol, até chegar ao parque.
Vi um brasileiro que ficou umas duas horas com a mão direita estendida em direção ao céu azul, a exibir três bandeiras que bailavam ao ritmo do vento – a brasileira, a americana e a do Vaticano. Depois o braço se cansou, ele guardou as bandeiras e, mais tarde, foi obrigado, assim como muitos outros, a gentilmente entregar os bastões para um segurança que os passou recolhendo. Se pau de selfie não era permitido, pau de bandeira também não.
Vi muita gente jovem, senhoras idosas bem vestidas, casais apaixonados, mães com filhos pequenos em carrinhos de bebê, pais com bebês recém-nascidos e uma menina peruana de uns seis anos vestida com roupas típicas do seu país, sempre a brincar com duas minibandeirinhas do Vaticano, cujos bastões eram inofensivos canudinhos. Que bom que estes não foram recolhidos pelo segurança!
Vi um esquema de segurança acima de qualquer suspeita: a tão
criticada cerca de dois metros de altura em torno do Central Park, um
incontável número de policiais por todos os lados, helicópteros da polícia a sobrevoar
a área todo o tempo, agentes do serviço secreto, detector de metais e uma
vistoria das bolsas e sacolas super cuidadosa, sendo que todos os aparelhos
eletrônicos deviam estar ligados, até mesmo as máquinas fotográficas, com as
quais os seguranças tiravam uma foto para se certificar de que não explodiriam.
Dentro do parque, vi um manto de pessoas a cobrir as pedras e o
verde já desbotado do início do outono, algumas sem ter a menor ideia de para
onde ir, outras sentadas ou deitadas pelos gramados a ler, a comer ou a
conversar, sozinhas ou em grupo, e aquelas aglomeradas próximo à cerca de
isolamento perto do caminho por onde o Papa passaria, com cara de
daqui-não-saio-daqui-ninguém-me tira.
Vi muitos americanos, mas vi também que a América é latina: ao meu
ver, pelo menos cinquenta por cento das pessoas que ali estavam eram de alguma
parte da América do Sul. E se orgulhavam disso, gritando em espanhol expressões
de exaltação às suas origens e de identificação com o Papa Francis, como
carinhosamente é chamado pela comunidade latina - Francis com sotaque espanhol,
claro, que é igual ao português.
Vi uma mulher filipina a segurar, além de terços e santinhos, duas
fotografias: uma dos seus cinco filhos, vestidos elegantemente com ternos
azuis; outra dos seus pais e irmãos, reunidos em torno de uma mesa farta e
florida. Esses não puderam estar presentes, mas receberiam também as bênçãos do
Papa, pelas mãos daquela mãe, filha e irmã amorosa. Outra senhora expressou o seu pesar por não
tido a mesma grandeza e lamentou ter pensado apenas em si mesma naquele dia.
Nesse momento, orei pelas minhas duas filhas e pela minha mãe.
Vi também o brilho nos olhos das pessoas nos minutos que antecediam
a chegada do Papa. Todos estavam tão felizes, numa animação sem
tamanho que as fazia conversar com estranhos, compartilhar olhares cúmplices e sorrisos e até as
mais tímidas a dar pulinhos de excitação.
De repente, vi um mar de mãos e braços se levantarem diante de mim,
com suas câmeras, tablets e flashes a dispararem alucinadamente, tentando
registrar o momento mais esperado. Sim! Pope Francis tinha chegado, estava lá
diante de todos, muito perto, a uns quatro metros de mim, mas eu só via cabeças, mãos e máquinas, a tapar a maior parte do meu campo de visão.
Em três segundos, tudo já tinha acabado. O Papa já tinha passado, já tinha ido embora. Só restava a multidão de vinte mil pessoas que ficara mais
de cinco horas esperando e que agora lá estava, parada, a olhar ansiosamente
para as suas câmeras na esperança estas tivessem registrado alguma coisa.
A senhora que estava ao meu lado – aquela que se sentiu mal por não
ter trazido a foto dos familiares – olhou para mim e disse: “Não vi nada,
absolutamente nada.”
Eu, que na hora h também estava de braços estendidos e com o dedo
pousado no botão da câmera, pronta para disparar, não consegui fotografar nada,
nadinha (a não ser um pedaço de céu azul). No entanto vi, por meio de uma pequena brecha, vi, durante um segundo, não
mais do que isso, o rosto do Papa Francisco: o semblante sereno, iluminado, a
sorrir, olhando para a multidão de olhos mecânicos a fotografá-lo. Sim! O Papa,
sentadinho em seu papa-móvel, sorria, com aquela carinha boa de pessoa simples
e do bem. Ele sorria. E nunca mais vou me esquecer daquele momento, do seu
rosto calmo e sereno, a sorrir.
PS: Ao sair do parque, espremida no meio da multidão, me sentia um
pouco mal pelas pessoas que não tinham visto nada, absolutamente nada. Sem
querer, li o que a mulher na minha frente postava nas redes sociais: “os dez
segundos mais emocionantes da minha vida”. E pensei: Já valeu a pena então!
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