quarta-feira, 23 de julho de 2014

O arranha-céu e a casinha de contos de fadas

Duas experiências recentes – complementares, apesar de contrastantes – me fizeram refletir.
A primeira foi minha visita à exposição Futurismo Italiano, 1909-1944: Reconstruindo o Universo, no Guggenhein de Nova York, em cartaz até setembro (Veja a página da exposição aqui). O movimento, que teve início com a publicação do Manifesto Futurista de Filippo Tommaso Marinetti, representou uma ruptura com o antigo, com a cultura decadente e a identidade nacional voltada para o passado. Exalta a modernidade, marcada pelo desenvolvimento da indústria, pelas máquinas, pela velocidade, explorando aspectos como a fragmentação da forma, o colapso do tempo e do espaço, o movimento dinâmico e perspectivas estonteantes. Arranha-céus, engrenagens, rodas e relógios acelerados, meios de locomoção, letras trêmulas, formas indefinidas, materiais metálicos, mulheres distorcidas. Tudo isso resulta em geral em quadros tão coloridos e em imagens tão misturadas e sobrepostas que nos levam a uma certa vertigem e até mesmo ao cansaço. 

                         

No decorrer da visita, comecei a pensar que aquilo tudo tinha a ver com Nova York. O mesmo excesso, o movimento, o barulho e a vertigem que a cidade de Nova York causa nas pessoas, mesmo que elas nem percebam, inebriadas pelo ritmo acelerado constante que dificulta o pensar, o sentir, o estar. Então me deparei com o quadro de Fortunato Depero, Scryscrapers and tunnels (Arranha-céus e túneis), de 1930, dedicado a New York, e não tive dúvida - este representa a agitação alucinante que ouço, da minha janela, incessantemente, dia e noite:

Skyscrapers and tunnels, Fortunato Depero, Itália, 1930

Em contraste drástico com tudo isso, está a cidade de Carmel, na Califórnia, que visitei recentemente. Como eu poderia imaginar que, neste país chamado Estados Unidos, haveria uma cidadezinha bucólica, à beira-mar, cujas casinhas de contos de fadas não têm número, identificadas apenas pelo nome? Foram essas casas que mais me chamaram a atenção. Em 1924, no auge do Futurismo na Europa, Hugh Comstock, que não tinha nenhum conhecimento de arquitetura nem de construção, decidiu construir uma casa para sua esposa, Mayotta, confeccionar e vender as bonecas que fazia por hobby. Com pouquíssimos recursos e inspirado pelo trabalho do ilustrador Arthur Rackham, Comstock comprou um lote e construiu a primeira das 21 casas que inspirariam toda a arquitetura da cidade e que viriam a valer milhões (Veja fotos em Once Upon a Time: Tales from Carmel by the Sea). Essas se caracterizam por telhados pontiagudos, chaminés e lareiras  delicadas, alpendres, jardins protegidos por cercas de madeira, quintais escondidos, muito desse trabalho feito a mão. Flores, muitas flores coloridas. Dentro, teto baixo, pequenos cômodos, alguns secretos, projetados para duendes e que tiveram de ser adaptados para os moradores atuais. 

                                      

Se eu tivesse alguns milhões de dólares, compraria uma casa dessas e moraria lá tranquilamente. Acordaria de manhã bem cedo, comeria maçãs e croissants, desceria a íngreme Avenida do Oceano até chegar à praia, sentaria num daqueles troncos secos e retorcidos, convidando à meditação, sentiria a areia em meus pés, apreciaria o mar azul através dos raios solares novos da manhã e voltaria para casa, subindo a ladeira bem devagar, dizendo bom dia aos amigos. Depois cuidaria do jardim com esmero, daria água aos passarinhos e me deixaria ficar no banco de madeira do quintal por algum tempo, agradecendo à vida por estar ali. Mais tarde, andaria pelas ruazinhas tão calmas, parando pelo caminho para apreciar quadros nas galerias, e iria tomar chá no vizinho. Muitos risos, mas não muito altos para não assustar os pássaros e grilos. E teria todo o resto do dia para ler, ou quem sabe escrever, em silêncio. Ah, o silêncio... Esse tesouro que a Nova York futurista perdeu há muito tempo! 



4 comentários:

  1. Como falei, escreví ontem e não sei como eu deletei, se eu cliquei em visualizar??
    Bem, dizia ter ficado encantada com a comparação da loucura de Nova York, com as cores vibrantes e formas das pinturas da exposição Futurismo Italiano (1909-1944) Reconstrindo o Universo.
    Encantei-me pela cidadezinha Carmel, sua paz e bucolismo, suas casinhas feitas à mão e suas flores multicoloridas me fizeram sonhar em visitá-la, quem sabe, um dia...
    Outro ensinamento seu: aprendi que a palavra íngreme e íngrime podem ter significados distintos... Valeu! Obrigada. Carinhos,

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    1. Querida Ana Lúcia, como sempre, sou eu que aprendo com você, principalmente no que diz respeito à elegância…

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