domingo, 16 de fevereiro de 2014

De livros e cidades

Bibliothèque, Maria Helena Vieira da Silva, Lisboa



A meu ver, uma das melhores maneiras de conhecer uma cidade é por meio da literatura nela e sobre ela produzida. Guias de viagem, mapas, ensaios, sites, blogs, textos informativos podem ser úteis logo nos primeiros passos da viagem, mas a literatura nos faz enxergar a realidade de uma forma muito mais rica, autêntica, profunda.
Quando morei em Lisboa, Portugal, os livros mudaram totalmente a minha percepção sobre a cidade das sete colinas, repleta de histórias, mitos e símbolos.
Um exemplo disso é a cena final de uma obra clássica da literatura portuguesa, Os Maias. Nela, Eça de Queiroz narra um passeio dos amigos Carlos da Maia e João da Ega pelo bairro do Chiado, em Lisboa. Eles observam os jovens portugueses usando trajes totalmente inapropriados para o seu tipo físico: "o aspecto molengão dos rapazes que por ali passavam, vestindo segundo os figurinos franceses, mas de um modo servil, exagerado e ridículo, sem nenhuma originalidade". Se Eça tivesse discorrido de maneira objetiva e ensaísta sobre essa aspecto caricatural do português à época, sobre a subjugação de Portugal a França no domínio cultural e comportamental, não teria tão eficazmente atingido seu objetivo. Mas, ao invés de explicar a realidade, ele a coloca diante de nossos olhos, fazendo-nos compreender o cenário absurdo, a quase aberração que acaba por se tornar esse voltar-se incessantemente para o outro em busca de autoafirmar-se, de encontrar a própria identidade. Na verdade, melhor seria se olhassem para si mesmos. Assim enxergariam que "o que se mantinha genuíno em Lisboa era o alto da cidade, com seu castelo, o casario, os palacetes, os conventos, as igrejas", como os amigos acabam por concluir.
No campo da poesia, deveria ser obrigatória para quem visita Lisboa a leitura dos versos de Cesário Verde, com sua descrição realista da cidade, caracterizada de uma maneira tão visual e plástica que o levou a ficar conhecido como "o poeta da cidade de Lisboa". O que dizer de Fernando Pessoa então? Certa vez, em uma aula de história portuguesa que timidamente cursei em uma salinha escura de um daqueles prédios absolutamente deslumbrantes do Chiado, o professor Oliveira Martins, especialista em história portuguesa, disse mais ou menos assim: Ao lermos "O sino da minha aldeia, dolente na tarde calma, cada tua badalada soa dentro da minha alma", sabemos que Pessoa está a referir-se àquela igreja situada bem ali na esquina da rua onde estamos agora. Não me lembro do nome da igreja, mas lembro-me muito bem da emoção que senti, e talvez aqueles sinos tenham tocado naquele momento.
Na verdade, não tenho assim tanta certeza da utilidade dos guias de viagem. Acho que, da próxima vez, vou inverter essa ordem e chegar, quem sabe, a Madrid com o Dom Quixote na algibeira.

E você, já teve sua impressão sobre uma cidade influenciada pela leitura de algum livro, de alguma poesia? Pode ser uma música também. Eu mesma curti muito mais viajar pela Andaluzia ouvindo Paco de Lucia tocar Sobre dos aguas.

No próximo post, tratarei de dois livros que me ensinaram a entender um pouco mais sobre a cidade de Nova York, esse meu novo paradeiro. Não percam!


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