terça-feira, 18 de março de 2014

Cursos de escrita criativa: perda de tempo?

Detalhe de Escola de Atenas,
do pintor renascentista Rafael,
Vaticano

Sendo este blog, para mim, um exercício de escrita, achei interessante compartilhar um debate que se estabeleceu esta semana no mundo acadêmico justamente sobre a escrita, mais precisamente sobre os cursos de escrita criativa. 
O jornal britânico The independent publicou uma matéria sobre o comentário do professor Hanif Kureishi, da Universidade de Kingston, Londres, em um evento literário. Ele, que ministra um curso de escrita criativa bastante procurado e apreciado pelos frequentadores, afirmou que esse tipo de aula, na verdade, é uma perda de tempo. Segundo ele, dos seus alunos, “provavelmente 99,9% não têm talento”: “Eles podem escrever períodos, mas não sabem como fazer uma história continuar até o final sem as pessoas morrerem de tédio no meio do caminho. E continua:  "Muitos dos estudantes não entendem. É a história que importa. Eles se preocupam com a escrita, com a prosa, e você pensa: ‘Dane-se a prosa, ninguém vai ler seu livro pela escrita, tudo o que eles querem é descobrir o que acontece na história em seguida’.” Finaliza afirmando que ele próprio jamais pagaria por esse tipo de curso: “Eu procuraria um professor que pudesse ser realmente bom para mim.”
Nos útimos anos, os cursos de escrita criativa se tornaram presença obrigatória nos currículos das universidades do Reino Unido e dos Estados Unidos, sendo bastante procurados por aqueles que querem se tornar escritores. Esses cursos nunca foram tão populares, por isso o depoimento de Kureishi causou tanta polêmica no mundo acadêmico, gerando discussões acaloradas entre estudantes e professores da matéria.
A escritora e ex-professora de escrita criativa Lucy Ellmann, em entrevista ao jornal The Guardian, disse concordar com Kureishi, pois considera esses cursos uma mentira. Segundo ela, eles podem custar nove mil libras por ano aos alunos, quando “o que eles deveriam estar fazendo é lendo o máximo de literatura possível, por anos e anos, ao invés de gastar metade da vida universitária escrevendo coisas que não não estão preparados para escrever.” “Uma vez feito isso, tudo o que você precisa e merece é de ajuda individual”, afirma.
Já Jeanette Winterson, da Manchester University, discorda: “Meu trabalho não é ensinar meus alunos a escrever; minha função é detonar linguagem em suas faces (…), é modificar suas relações com a linguagem. O resto é com eles”.
Os escritores Rachel Cusk e Matt Haig compartilham do mesmo posicionamento: “Aulas de escrita criativa podem ser muito úteis, assim como aulas de música. Dizer que 99,9% dos alunos não têm talento é cruel e errado. (…) É claro, sempre é preciso saber suas limitações. Por exemplo, eu poderia ter 7.000 aulas de guitarra, mas nunca seria Jimi Hendrix, embora eu pudesse me tornar muito melhor do que sou agora. Como a maioria das modalidades artísticas, escrever é parte instinto, parte técnica. A técnica pode ser ensinada, e isso pode fazer uma diferença crucial para muitos escritores.”
Penso que toda essa discussão é válida e está causando tanta reação apenas pelo fato de um professor reconhecido criticar sua própria área de atuação. No fundo, porém, as opiniões não são tão divergentes assim. O que se quer de um curso de escrita criativa é muita leitura, isso com toda a certeza, e talvez algum aconselhamento. O que não se quer é um professor que imponha aos seus alunos uma única vertente literária ou um único estilo de escrita. Nesse sentido, para mim, é possível que um curso desses seja bastante produtivo para aquele que pretende se tornar um escritor ou simplesmente melhorar sua escrita, desde que não seja visto como estratégia única. Não será apenas uma aula no final de semana que resolverá todos os problemas do aspirante a escritor, miraculosamente.
Poderíamos fazer isso tudo sozinhos, sem a intervenção de um professor, evitando pagar pelo curso? Sim, mas o debate, a conversa, a discussão podem ser muito úteis também. Compartilhar nossos escritos pode nos abrir os olhos para diferentes maneiras de se escrever e nos tornar mais conscientes de nossa própria escrita.
Quanto a mim, nunca participei um curso de escrita criativa, mas confesso que sempre tive vontade. Quando me imagino frequentando aulas como essas, penso em um professor apaixonado por literatura e que me transmita um pouco de sua imensa bagagem literária, indicando bons livros e trazendo muita poesia, muitos contos e trechos de romances  para leitura. Na verdade, seria um curso de "leitura criativa", atividade crucial para quem quer se tornar um bom escritor.
Pensando bem, nunca me inscrevi em um curso desses, mas, como estudante de Letras, frequentei inúmeros. Muitas das  minhas aulas de literatura foram cursos de escrita criativa.  Lembro-me do professor de literatura brasileira contemporânea a ler trechos de Clarice e Rosa, destrinchando, palavra por palavra, a escrita desses mestres. Naquele momento, eu sabia que, se um dia eu me tornasse uma escritora, era com aquela intensidade e beleza que eu queria escrever. 

E você, já frequentou algum curso de escrita criativa ou simplesmente um curso de redação que tenha valido a pena? Ou nem tanto? Gostaria de saber sua opinião.

4 comentários:

  1. Cultura nunca foi e nunca será perda de tempo,enquanto existir profissionais como você Amelia Cherulli...VALEU !!!

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  2. Mal não faz, não é Fernando? Obrigada pelo elogio e pela participação. Abraço!

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  3. Amélia,
    Nunca frequentei um curso de escrita criativa, mas depois de ler o que você escreve estou pensando seriamente no assunto. Sua delicadeza ao escrever me comove.

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  4. Ana, tenho certeza de que você seria uma excelente escritora! Quem sabe um curso como estes não seja o empurrãozinho que faltava?!

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