segunda-feira, 28 de abril de 2014

Nova York em 17 sílabas

Projeto haicais visuais, da fotógrafa Ana Rodrigues

Desde o ano de 1996, o mês de abril é considerado o Mês Nacional Poesia nos Estados Unidos. Escolas, livrarias, bibliotecas, editoras e poetas reunem-se para celebrar a poesia e a sua importância na cultura americana.
Este ano, para comemorar, o New York Times pediu aos leitores que escrevessem haicais (poema curto, de origem oriental, composto de três versos de cinco, sete e cinco sílabas) sobre a cidade de Nova York. Em geral, os haicais são inspirados na natureza, mas esses poderiam inspirar-se nos seguintes temas: a ilha de Manhattan, estranhos, solidão, deslocamentos diários, seis da manhã, gentileza e outros deles derivados. Em dez dias, o jornal recebeu 2.800 poemas, dos quais alguns foram publicados na edição de 25 de abril. 
Abaixo, reproduzo alguns dos meus preferidos (com tradução livre), aqueles com os quais, de alguma maneira, me identifiquei no que diz respeito à representação da cidade e à sensação que ela me transmite. Ressalto que foram criados por pessoas comuns, não necessariamente literatos e, portanto, não seguem um sistema métrico rígido.  São uma espécie de brincadeira daqueles que vivem o quotidiano da cidade.
O haicai (hai = brincadeira, gracejo; kai = harmonia, realização) descreve um momento, uma sensação, uma impressão, de maneira rápida, concisa, como o flash da máquina fotográfica, com muita simplicidade e singeleza. Não deixa de ser interessante ver esta cidade tão barulhenta, agitada e grandiosa inspirar uma forma poética tão sintética, simples, zen. 


Face vista do outro lado dos trilhos
Nos olhamos, e o trem passa
Face perdida para sempre.

O trem de manhã
tem o melhor aroma do dia:
café e shampoo.

Nossos olhos se evitam
Se nos olhássemos, veríamos,
Poderíamos ser amigos.

O taxista Ahmed
Costumava ser um engenheiro
Sonho americano?

Se construção e destrução
São notas musicais, nossa ilha
É a sinfonia.

Solidão na noite
Sozinho no trem lotado
Muitos corações, uma alma.

Dizem que o nova-iorquinho
Não é gentil. Eu digo:
Eles apenas deixaram esse hábito em casa.

A cidade é eterna,
Mas não se deixe enganar.
Nunca é a mesma.

Podemos passar a noite
Juntos, mas eu exijo
Bagels de manhã.

Aluguel muito caro.
Sou obrigado a mudar para New Jersey
Onde ninguém visita.

Se o trem viesse agora
Eu poderia chegar lá a tempo.
Mas ainda estou na cama.

Eu te conheço, não?
Você era eu cinco anos atrás,
Sonhando com Nova York.

Pizza de um dólar
Um oásis no duro deserto dos
Custos de Nova York.

No telhado, parado,
Soltando a pipa no céu
A rua desaparece.

Um momento de felicidade
Quando o túnel rouba nossa WiFi
Relance de liberdade.

Gentileza é
Encostar no ombro do outro
No banco do metrô.

Há lugares no
Central Park, onde não se vêem
Prédios, só árvores.

Todo santo dia
Nós nos cruzamos, mas eu nunca
Vou conhecer você.

Metrô lotado;
Ninguém me conhece – conforto
E aflição.

Mercado da Union Square
Mirtilos a dez dólares
Nova York blues.

Flutua na água,
Arranha-céus de vidro em cima,
A inquieta cidade.

Passeio no parque
Ainda não há narcisos florescendo – apenas
Casacos desabotoados.


Se os poemas acima me inspirassem a escrever o meu haicai sobre Nova York, seria mais ou menos assim:

 Busco o silêncio 
   Que me leva ao sono tranquilo
     Mas a cidade nunca dorme.

E você, qual é o seu favorito?



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